As tuas mentiras
Vergonha vergonha vergonha.
Afogada na merda da tua vergonha.
Médicos inescrutáveis, médicos sensíveis, médicos pioneiros, médicos que se podia pensar que são doentes de não te provassem o contrário, fazem as mesmas perguntas, põem palavras na minha boca, oferecem curas químicas para angústias congénitas e se cobrem uns aos outros até eu ter vontade de te gritar, o único médico que me tocou voluntariamente, que me olhou nos olhos, que riu do meu humor mórbido falado numa voz vinda da recém-cavada sepultura, que gozou quando eu cortei rente o cabelo, que mentiu e disse que estava contente por me ver. Que mentiu. E disse que estava contente por me ver. Confiei em ti, amei-te, não me dói perder-te, mas sim a merda das tuas falsidades descaradas mascaradas de receitas médicas.
A tua verdade, as tuas mentiras, não as minhas.
E enquanto acreditava que eras diferente e que talvez até sentisses a dor que fazia estremecer às vezes a tua cara e ameaçava irromper, também estavas a tentar salvar o cu. Como qualquer outro estúpido idiota mortal.
Para mim isso é traição. E a minha mente é o sujeito desses fragmentos confusos.
Nada pode extinguir a minha ira.
E nada pode repor a minha fé.
Não é um mundo onde eu queira viver.
in Teatro Completo, Sarah Kane.